Pierre-Joseph Proudhon (1809 ~ 1865):

" Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos."

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sábado, 11 de dezembro de 2010

continuação...


por Acílio da Silva Estanqueiro Rocha
(Universidade do Minho - Portugal)


Deste modo, o problema moral está, na senda de Kant, no âmago do pensamento de Proudhon, desde as primeiras intuições às suas últimas certezas; de facto, este filho da Revolução insiste no primado da consciência que defende por uma exigência a priori da razão; consequentemente, a Justiça é «uma noção complexa» e, para a formular, Proudhon tomou de Kant a sua dupla idéia do respeito e da universalidade, tal como havia tomado de Descartes as virtualidades da razão.

Embora admirador de Descartes e Kant, Proudhon recusa-se a imitar os seus «saltos de acrobatas no absoluto» [5]. A posição de Proudhon é a de Kant, com esta diferença:

não aboliu, com os postulados da Razão prática, as conclusões da Razão pura.

Então, se a Justiça é «uma faculdade positiva da alma, uma potência da mesma ordem que o amor, superior mesmo ao amor» [6], ela não é apenas uma noção moral, uma relação concebida pelo entendimento e admitida pela moral; ela é, conforme Proudhon se esforça por mostrar, algo de real:

«Eis porque dissemos e repetimos tantas vezes que a Justiça não é somente para nós uma ideia; que ela é também uma REALIDADE; que é com a condição de ser previamente uma realidade que ela pode tornar-se uma ideia; é por isso enfim que o direito e o dever, em suma, a lei moral, se torna obrigatória, constituindo a essência do nosso ser, o que não seria possível se se reduzisse a uma pura ideia»[7].

A Justiça deve ser objectiva ou real, introduzida consequentemente na política e na economia, com incidência na produção e repartição dos bens.

A justiça não é, pois, segundo Proudhon, uma representação sem conteúdo, mas uma forma de prática social; ela reside na relação de igualdade e de reciprocidade:

é uma modalidade da acção, esse acto no qual os homens se reconhecem na sua dignidade e igualdade, participando igualmente numaobra colectiva na reciprocidade dos seus interesses [8].

No vocabulário de Proudhon, é um conceito eminentemente sintético, significando quer a imanência do sujeito ao social, quer a interiorização do social pelo sujeito; do mesmo modo que as ideias de número, espaço, tempo, etc., vêm ao indivíduo da experiência e da contemplação do universo, de fora, assim «a ideia de Justiça advém-lhe da sociedade, coisa dele distinta, para a formação da qual ele concorre, mas que não é ele»; e esclarece:

«a Justiça é, portanto, uma ideia adquirida, não inata; comunicada ao indivíduo pela sociedade.

É uma revelação, artigo de fé que se irá desenvolvendo, à medida que a lei social se desvelar aos olhos da alma individual» [9].

Proudhon atribui ainda à justiça uma dinâmica própria, um poder de equilíbrio que se exprime, em particular, no direito.

E, do mesmo modo que houve outrora um direito de guerra vigente para os povos conquistados, depois um direito político no qual se fundava o poder governamental, o equilíbrio das forças econômicas deve dar origem a um novo direito, condição de uma democracia igualitária e mutualista.

Atribui-se assim uma função revolucionária à justiça:

revela-se como movimento incessante, motor do progresso, princípio prático da anarquia;

não se compreende, pois, um estado de acabamento da justiça:

ela é uma matriz depossibilidades;

também o direito jamais poderá ser um sistema fixo:

ele consiste precisamente numa revisão constante das relações sociais.

A sociedade não tem por escopo realizar uma ordem, mas inventar e criar incessantemente novas relações.

notas:

5.- É Proudhon que afirma:

«Sabe-se com que salto de acrobata o incomparável Kant, após ter derrubado com a sua Crítica da razão pura todas as pretensas demonstrações da existência de Deus, a encontrou na razão prática. Descartes, antes dele, chegara ao mesmo resultado» (ib., VIII-I, p.322).

Neste sentido, constata:

«Kant esforça-se por construir a moral, como a geometria e a lógica, numa concepção a priori fora de qualquer empirismo, e não consegue. O seu princípio fundamental, o mandamento absoluto, ou imperativo categórico, da Justiça, é um facto de experiência, a que a sua metafísica é impotente para dar a interpretação.

O Direito, diz ele, é o acordo da minha liberdade com a liberdade de todos. Daí a sua máxima, imitada de Wolf:

Age em tudo de maneira que a tua acção possa ser tomada como regra geral. O menor defeito destas proposições é, em vez de definir a Justiça, de colocar o problema.

Como obter esse acordo das liberdades? Por virtude de que princípio? Dondepoderei saber que a minha acção pode ou não servir de regra geral? E que me importa que ela sirva? Quem me faz esta abstracção?» (De la Justice dans la Révolution et dans l'Église, VIII-I, p.430).

6.- Ib.,VIII-li, pp.254-255.

7.- P.-J.PROUDHO, «Notes et éclaircissements pour la septíéme étude», ib., VIII-3, p. 300. Observe-se, logo no 1º. vol., adimensão semântica dosseguintes títulos:

«Réalisrne de la Justice: la transcendance etl'írnrnanence» como título do IV capítulo do 1.° Estudo, «Posítíon duproblerne de la Justice» (De la Justice dons la Révolution et dons l'Église, vol. VIII-I, op. cit., pp. 315-345).

8.- Cf. P.-J. PROUDHO, De la Justice dans la Révolution et dans l'Église, VIII-1, op.cit., pp.223-224.

9.- P.-J. PROUDHON, «Cours d'éconornie» [Feuillet IV,n." 109-110], in Pierre HAUBTMANN, La Philosophie Sociale de P.-J. Proudhon, PressesUniversitaires de Grenoble, 1980, p. 113.

Apesar de o texto ter sido inédito, ajuda a entender melhor este conceito proudhoniano, onde afirma também que, fora da sociedade, «é (...) matematicamente impossível ao indivíduo adquirir uma ideia nítida e exacta da Justiça:

tem apenas o sentimento vago, que se nega a si mesmo, (...)» («Feuillet XV», nº. 71, ib.).

Deste modo, «nenhuma obrigação pode nascer no homem para como seu semelhante, fora do grande princípio da existência da realidade, da personalidade do homem colectivo, do qual cada um de nós é parte, órgão e função; em suma, fora do panteísmo social» («Feuillet, IV», nº. 83, ib.).

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