
Relembremos antes de tudo até onde vai a ambição de Proudhon nesta grande obra de cerca de 800 páginas que foi escrita durante mais de três anos.
Trata-se de um verdadeiro somatório que visa construir uma síntese das dimensões econômicas, sociais e políticas do regime capitalista, do regime proprietário.
Ambição que vai bem para além da Primeira Memória sobre a Propriedade, pois não se trata somente de denunciar a relação de propriedade, mas de desenvolver todas as conseqüências e mesmo abrir vias de reflexão em direção às posições políticas que Proudhon prolongará ulteriormente.
Trata-se de demonstrar que o regime capitalista está atravessado por contradições sócio-econômicas, e mais abundantemente, mostrar que estas contradições formam um verdadeiro sistema, uma unidade dinâmica de forças antagônicas que provocam por sua vez a vitalidade do regime e os seus efeitos destruidores.
Trata-se de pensar o regime capitalista como totalidade, sem pretender, naturalmente, fazer uma análise exaustiva, mas com a ambição de fazer aparecer as estruturas fundamentais e as atividades essenciais.
A dialética será então o instrumento intelectual necessário para analisar e ligar estas oposições, estas antinomias, estas tensões. Coloca-se, então, a Proudhon, a questão da natureza destas dialéticas e a urgência para ele de precisar este método e de justificá-lo.
Questão que não é completamente nova, pois, já no livro anterior, A Criação da Ordem, Proudhon tinha procurado respostas para esta questão. Tinha então procurado naquilo que chamava a “dialética serial” o instrumento de análise dos fenômenos humanos.
O pensamento de Proudhon está, neste ponto, em evolução, em trabalho, com a preocupação essencial expressa em A Criação da Ordem, de descobrir a especificidade das relações sociais e, por isso, de fazer aparecer, como ele escreve então, o seu caráter “ideo-realista”.
Enfim, a ambição de Proudhon, neste grande livro do Sistema das Contradições, é tirar as conclusões políticas destas análises, e, em particular, debater os planos de reforma social que não cessam de ser propostos desde os anos de 1820.
Proudhon continua o seu projeto, ilustrado desde 1840, de examinar de maneira crítica estes projetos de reforma e de opor uma crítica científica às utopias saint-simonianas e fourieristas em particular.
Projeta, ou pelo menos sonha, em arrancar o pensamento socialista às suas utopias.
Ora, estes projetos ambiciosos são exatamente os de Marx, e particularmente nos anos de 1845- 46, no curso dos quais opera a crítica das suas posições anteriores, denuncia por sua vez a tradição filosófica alemã e as posições liberais.
Abandona nesse momento a problemática econômico-filosófica dos manuscritos de 1844 pela qual se esforçava pensar a alienação operária a partir de uma dupla leitura econômica e filosófica.
É precisamente nestes meses do ano de 1845, em que redige com Engels A Ideologia Alemã, que repensa esta problemática e planeja consagrar os seus esforços à análise econômica.
É nesse momento que formula o projeto de uma crítica da economia política que se tornará O Capital. Interessa-lhe então repensar as suas relações com a filosofia de Hegel e redefinir a dialética.
Como Proudhon, Marx associa estreitamente o projeto científico e o programa político. Propõe-se, como Proudhon, a denunciar as utopias sociais que interpreta como etapas que devem ser superadas, e ambiciona fundar a teoria política, a teoria revolucionária sobre uma ciência renovada da economia e sobre a teoria materialista da história.
Em 1845-46, Proudhon e Marx têm, portanto, os mesmos projetos, as mesmas ambições, e há todos os motivos para pensar que os seus encontros e as suas discussões se alimentaram desta identidade de vistas.
Sabemos pelos seus próprios testemunhos que discutiram abundantemente questões filosóficas, de Hegel, de Feuerbach, e de economia política. Numa das suas notas marginais ao livro de Marx, Proudhon escreve:
“O verdadeiro sentido da obra de Marx é que ele lamenta que em toda parte pensei como ele, e que o disse antes dele”.
segue...
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