
Agora, paradoxalmente é Proudhon quem reclama o direito da força e defende a guerra como julgamento. Creio que aqui Proudhon vai formular uma das mais importantes dimensões da anarquia:
qualquer coisa como uma física política, e que ele chamou “Teoria do direito da força”.
Se existe um direito da força, ou melhor, se a força, ou a guerra, é a realidade primeira da qual surgiram todas as nossas relações jurídicas, então trata-se de encontrar o equilíbrio das forças para que o direito encontre sua justiça; é preciso reconhecer a positividade da força para em seguida encontrar sua delimitação; positividade que os juristas negam de saída em nome do absolutismo governamental.
Em Proudhon o problema não é o do sangue derramado, mas de equilíbrio; e a sua teoria do direito da força vai nessa direção. Para ele, o homem é um composto de potências cada uma delas possuindo cada qual um direito que lhe é específico.
A alma se decompondo, pela análise psicológica, em suas potências, o direito se divide em tantas quantas categorias, cada uma das quais pode-se dizer que tem sua sede na potência que a engendra, como a justiça, considerada no seu conjunto, tem sua sede na consciência (Proudhon, 1998: 137).
Composto de potências cujo conjunto engendra a justiça.
Existe uma potência do trabalho para qual corresponde um direto do trabalho que dispõe que todo produto da indústria pertença ao seu produtor; existe um direito inerente a potência da inteligência que dispõe que todo homem possa pensar e cultivar-se, acreditar no que lhe parece verdadeiro e rejeitar o falso; um direito da potência do amor que dispõe sobre tudo que o amor implica entre amantes; um direito da velhice que quer que o mais longo serviço tenha sua superioridade; por fim, existe um direito da força em virtude do qual o mais forte tem direito, em certas circunstâncias, a ser preferido ao mais fraco, remunerado a mais alto preço, porque é esse direito que o faz mais industrioso, mais inteligente, mais amante, mais ancião (Ibidem: 138).
Certamente nenhum desses direitos procede da concessão do Príncipe ou da ficção dos legisladores; eles emanam do que Proudhon chamou dignidade do homem, esses direitos pertencem a um tipo de economia das potências no homem que forma a justiça.
A justiça, segundo Proudhon, é uma potência imanente tão manifesta quanto o amor, a simpatia e todas as afecções do espírito, mas para a qual o cálculo dos interesses e das necessidades é cego.
Foi essa potência compósita, mais potente que o interesse e a necessidade, que impulsionou o homem a se associar; decorre que a realidade da justiça repousa no respeito de si mesmo, da própria dignidade, respeito que não apenas coloca a si mesmo em alerta contra tudo isso que insulta e ofende, mas também contra tudo isso que insulta e ofende os outros.
A justiça consiste nisso que cada membro da família, da cidade, da espécie, ao mesmo tempo que ele afirma sua liberdade e sua dignidade, as reconhece também nos outros e lhes rende honra, consideração, poder e alegria, do mesmo modo que ele pretende obter deles.
Esse respeito de humanidade em nossa pessoa e naquela de nossos semelhantes é a mais fundamental e a mais constante de nossas afecções (Ibidem: 136).
Direito e força não são idênticos: o primeiro é resultante de uma faculdade, o segundo é parte do homem. Por isso a força tem seu direito, não todo o direito, porém ao “se negar o direito da força (...) seria preciso afirmar, com os materialistas utilitaristas, que a justiça é uma ficção do Estado”.
Todavia, a força é “como todas as demais potências, sujeito e objeto, princípio e matéria de direito, parte constituinte do homem, uma das mil faces da justiça” (Ibidem: 139). Mas a força é também polimorfa, não unitária, múltipla.
A matéria é uma força, tanto quanto o espírito, o gênio, a virtude, as paixões, do mesmo modo que o poder é a força política de uma coletividade; “o povo não é, a dizer a verdade, jamais reconhecido que pela forma, e isso porque não existe outra coisa nele que força”.
De tal modo que o direito da força não é somente o mais antigo, como também ele serve de fundamento a toda espécie de direito. “Os outros direitos não são que ramificações ou transformações dele” (Ibidem: 141).
segue...
nota:
∗ Doutor em Ciência Política no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, pesquisador no Núcleo de Sociabilidade Libertária, autor de Anarquistas: ética e antologia de existências, Rio de Janeiro, Achiamé, 2004.
fonte:
ponto e virgula nº. 05, puc - são paulo.
contato:
nildoavelino@gmail.com.
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