Pierre-Joseph Proudhon (1809 ~ 1865):

" Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos."

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terça-feira, 8 de junho de 2010




Boletim eletrônico do Nu-Sol / Núcleo de Sociabilidade Libertária

Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
Ano IX, no. 100, agosto de 2008

ANARQUIA

A miséria é lucrativa, acreditem

Em 1848, a França procurava uma saída para os profundos problemas sociais instaurados pelo que se costuma chamar de crise política e econômica. A burguesia, moderada e republicana, e o socialismo disputavam as medidas a serem tomadas, que iam da manutenção da ordem ao redimensionamento das relações de trabalho, passando pelo sufrágio universal, masculino.

O estabelecimento da Segunda República deu preferência à representação política dos interesses da burguesia, ainda que algumas reivindicações socialistas tivessem encontrado respostas, como por exemplo na redução na jornada de trabalho de 12 para 10 horas.

Distante de socialistas e burgueses, Proudhon ensaiou uma idéia que atentava contra a continuidade das relações de dominação: o Banco do Povo.

Ao desprezar uma instituição das mais antigas da humanidade — a usura —, e uma prática tão cara à manutenção da desigualdade — a caridade —, o Banco do Povo, dizia Proudhon, poderia demolir as bases do sistema econômico e da sociedade. Tratava-se de uma associação mutualista que não buscava o favorecimento dos associados, ou melhor, a prática do privilégio, de um grupo qualquer da sociedade sobre os demais.

Em suma, o crédito gratuito funcionaria como exercício de reciprocidade em relações econômicas que abrem mão do lucro, mas que funcionam no interior de relações capitalistas, e que não se traduzem como ajuda aos pobres. Os associados, produtores e consumidores ao uníssono, deviam pagar apenas uma taxa de manutenção das atividades, que, na época, Proudhon calculava em 0,5% sobre os empréstimos.

Finalmente, o Banco do Povo, não sendo um negócio para proprietários particulares, não devia ser também um negócio do Estado, pois o Estado, lembrava Proudhon, ao não ser proprietário de nada, não pode oferecer crédito.

Em 2008, louvam-se, e multiplicam-se, os empreendimentos financeiros de ajuda aos pobres, os bancos de micro-crêdito. Pioneiro no modelo das instituições que lucram com o empréstimo aos pobres — por certo, em países pobres —, o Banco Grameen, em Bangladesh, já rendeu ao seu idealizador, além de altas taxas de retorno financeiro, um importante retorno político, talvez resumido no recente Prêmio Nobel da Paz [2006].

Como o Banco de Proudhon, este funciona pela cobertura mútua que os associados se oferecem, mas a lucratividade do empreendimento, fundada na taxa de empréstimo de 20% e na alta taxa de pagamento dos associados, que beira os 100%, garante ao seu dono a prosperidade e a força de quem, além de potencializar seu negócio, criou escola.

Outra particularidade: o Banco Grameen oferece crédito a mulheres, por considerar que elas respondem de maneira mais responsável à ajuda econômica. E se arroga da intenção de modificar as relações capitalistas tradicionais, ao substituir a caridade pela possibilidade oferecida aos pobres de comandarem suas próprias vidas.

No nicho criado pelo Grameen, entra em cena a ASA, que formalmente é uma ONG e originalmente uma instituição de ajuda humanitária, e que funciona também como um banco que oferece empréstimos aos pobres. Atua não mais com a intenção de reformar o capitalismo, mas de lucrar com os pequenos empréstimos, e se situa como a mais eficiente instituição deste tipo, entre as mais de 600 que existem no planeta.

Da mesma maneira que o Grameen, a ASA só empresta dinheiro às mulheres, mas seus funcionários, aqueles que concedem os empréstimos, são todos homens. Se este empreendimento não deverá resultar em um Nobel da Paz, mostra-se um excelente negócio, e escancara a necessidade da pobreza, no capitalismo, como preservação da desigualdade legal, base das relações de dominação, e, é claro, do lucro.

Assim como em 1848, as boas almas da humanidade discutem, hoje em dia, os limites legítimos das ações humanitárias, da salvação dos miseráveis, no interior de relações de dominação instituídas sobre o dogma da desigualdade como forma primeira, e necessária, da sociedade.

Assim como em 1848, trata-se de contornar o problema da desigualdade, problema político tanto quanto econômico, que justifica, diante de sua inquestionável presença, desde as polícias e as prisões até as diversas formas de regulamentação e moralização da vida dos miseráveis: não é só sobre o argumento da gratidão que move aquele a quem ninguém antes deu crédito (credibilidade), mas, hoje em dia, também sobre o argumento de grandiosas conquistas civis (a emancipação da mulher) que funciona, ou melhor, permanece no interior das relações capitalistas a administração lucrativa da pobreza.

O que era um capital político, para a Igreja e o Estado monárquico, torna-se um bom negócio para capitalistas ousados, e ainda uma excelente carta política que hoje, como já anunciara Proudhon no século XIX, deixa intocado o princípio do governo, e movimenta os bem-intencionados analistas e homens públicos de toda índole, empenhados em encontrar a melhor maneira de administrar o que se ergue como destino, fatum, dizia Proudhon.

Em 1848, Proudhon respondeu aos republicanos que o sufrágio universal era a consagração da manutenção dos interesses de um grupo privilegiado; aos socialistas, que suas reformas trabalhistas não só deixavam intocado o princípio das relações de exploração, como também, com a defesa do comunismo, representavam pouco mais do que uma restauração, um retrocesso.

Entre uns e outros via Proudhon uma continuidade: o governamentalismo dos liberais não era mais do que a exacerbação do comunismo, e o comunismo, eterna crítica reativa do liberalismo, resumia-se à anulação de toda liberdade, de toda diferença. Ambos, pela consagração do princípio da propriedade, investiam na preservação da autoridade sobre todos, do privilégio, da ordem, do crime legal, do roubo sistemático.

Longe das caridades e dos cálculos de retorno, há mais de 160 anos dizer-se anarquista, como Proudhon, é mergulhar na liberdade como método, como prática, como crítica, como invenção de costumes, como deslocamento radical da infindável série de articulações e reformulações de uma mesma crença na continuidade das relações de dominação.

fonte:

http://www.nu-sol.org/hypomnemata/boletim.php?idhypom=115

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