
As origens do anarquismo, como um corrente específica do socialismo, tem os seus antecedentes em alguns setores radicais da Revolução Francesa e em pensadores como William Godwin, Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen. Essa mesma filiação foi evocada por Engels no seu folheto Do socialismo utópico ao socialismo científico, no qual pretendia reafirmar o caráter científico, e como tal superior, das teorias que tinha elaborado com Marx.
No entanto, foi Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) o sociólogo e pensador político francês que criou o anarquismo, como tendência socialista identificada com o autogoverno, a descentralização e o federalismo. Mesmo sendo um autodidata de origem modesta, suas idéias exerceram uma influência notável sobre o movimento operário e socialista em França. Uma influencia que se estendeu por vários países da Europa, chegando depois à América Latina.
A sua obra é monumental, são 26 volumes de obras completas, 12 volumes de obras póstumas e 14 volumes de correspondência. Desses livros os mais conhecidos são O que é a propriedade? e Do principio federativo que, junto com algumas antologias, são as únicas obras traduzidas até hoje para o português. Não obstante, seus livros, em língua francesa, circularam amplamente em Portugal e no Brasil, influenciando inúmeros militantes operários e intelectuais no século XIX.
Se quisermos resumir suas mais importantes contribuições ao pensamento político e ao socialismo poderíamos apontar algumas idéias chaves:
1. Pluralismo libertário;
2. Federalismo econômico e político;
3. Espontaneidade coletiva;
4. Auto-organização social;
5. Oposição entre classe capitalista e classe operária.
Proudhon, quando escreveu sua primeira obra, em 1838, A celebração do domingo, era um jovem tipógrafo que se auto-definia assim:
"Nascido e criado na classe operária, à qual pertenço ainda hoje, como sempre pertenci, pelo coração, gênio, costumes e sobretudo pela comunidade de interesses e de desejos, a maior alegria do candidato se pudesse contar com vossos votos seria, não duvideis, senhores, de ter congregado na sua pessoa vossa justa solicitude a esse importante setor da sociedade que se orgulha com o nome operário [...]".
Nesta sua primeira obra, Proudhon denuncia de forma clara a exploração dos trabalhadores pelos que chama de "autocratas ou senhores feudais da indústria" afirmando:
"O homem que vem ao mundo, não é de nenhum modo usurpador ou intruso, senta-se à mesa comum: a sociedade não tem de nenhum modo o direito de aceitá-lo ou rechaça-lo [...]. Todos tem direito a viver: a existência é a tomada de posse, o trabalho sua condição e seu meio [...]
Toda a desigualdade de nascimento, de idade, de força ou de capacidade, desaparece ante o direito de produzir seu sustento, o qual se manifesta pela igualdade de condições e dos bens; é que as diferenças de aptidão ou de habilidade no operário, de quantidade ou qualidade na execução, desaparecem ante a obra social quando todos os membros fizerem o que podem, porque então cumprirão com seu dever; numa palavra, a desproporção de forças nos indivíduos neutraliza-se ao ser confrontada com o esforço geral".
Proudhon inicia dessa forma uma crítica da ideologia liberal e afirma o valor da solidariedade social como princípio fundador do socialismo e, se quisermos, de uma ética humanista e libertária. Mas seria no ano seguinte, em 1840, que Proudhon publicaria o seu livro mais célebre O que é a propriedade?, onde responde à pergunta com a provocante definição "é o roubo".
Nesse livro Proudhon defende o caráter social da propriedade, pois tal como o trabalho só pode ser visto nas nossas sociedades como o resultado de uma força coletiva produtora e não como uma ação individual de um homem. Dessa análise resulta a crítica da propriedade privada e do salário como meio de exploração dos trabalhadores pelos capitalistas. Este livro foi considerado por Marx o melhor dos livros de Proudhon.
Nas obras posteriores de Proudhon, ganha definição o seu projeto de reforma radical apontando para uma sociedade que concilie ordem e anarquia, força coletiva e igualdade de condições, equidade e liberdade:
"assim como o homem busca a justiça e a igualdade, a sociedade busca a ordem na anarquia".
O pensador dos paradoxos, definia a anarquia como "a ausência de amo e soberano", "é a liberdade porque não admite o governo da vontade, mas tão só a autoridade da lei", uma forma de governo da qual nos "aproximamos dia a dia".
Mas a critica de Proudhon à propriedade privada implicaria também uma crítica ao projeto comunista de outros pensadores, considerando-o uma "exaltação do Estado, a glorificação da polícia", criticando os comunistas como "fanáticos do poder e da força central", alertava contra os objetivos retrógrados defendidos por eles, particularmente, "a ditadura da industria, do comércio, do pensamento, ditadura da vida social e privada, ditadura em todas as partes".
É preciso chamar a atenção que estas críticas foram feitas na metade do século XIX, muito antes do primeiro regime de ditadura do proletariado e respondiam não a Marx, mas a Étienne Cabbet e a outros pensadores revolucionários partidários do comunismo autoritário, herdeiros da tradição jacobina da Revolução Francesa, que iria influenciar também o marxismo-leninismo.
Finalmente em Proudhon encontramos também a defesa do anti-teísmo, um componente importante do pensamento libertário, já que a liberdade, que resulta da recusa de toda a forma de poder, é o núcleo da sua filosofia.
No livro Sistema de Contradições econômicas ou Filosofia da Miséria o pensador francês escreveu:
"o primeiro dever do homem inteligente e livre é expulsar quanto antes a idéia de Deus, se existe, é essencialmente hostil à nossa natureza e nós não dependemos de maneira alguma da sua autoridade".
Mais à frente diria que "Deus em religião, o Estado em política, a propriedade em economia, tal é a tríplice forma através da qual a humanidade, estranhada de si mesma, não cessou de se autodestruir e que hoje deve rechaçar". A partir desta idéia, mais tarde, Bakunin escreveria um dos seus principais livros, Deus e o Estado, onde afirmava que a autoridade no campo da política e da teologia é a grande inimiga do ser humano livre e autônomo.
A partir dos seus primeiros trabalhos Proudhon reafirma freqüentemente que "a harmonia é um equilíbrio na diversidade". Esta sua idéia tão atual resultava numa postura libertária que foi um fator decisivo na sua ruptura com Marx, quando se recusou a concordar com o criticismo do filósofo alemão em relação a outros pensadores e militantes socialistas, defendendo, na sua carta de 16 de maio de 1846 dirigida ao famoso socialista alemão:
"Investiguemos juntos, se assim vós desejais, as leis da sociedade, o modo como essas leis se realizam, o processo segundo o qual nós chegaremos a descobri-las mas por deus, depois de demolir todos os dogmas a priori, não pensemos, por nossa vez, em doutrinar o povo [...]
Eu aplaudo, de todo o meu coração, vossa idéia de colocar em evidência, todas as opiniões; façamos uma boa e leal polêmica; demos ao mundo o exemplo de uma tolerância sábia e previdente mas, porque estamos à frente do movimento, não nos tornemos chefes de uma nova intolerância, não nos coloquemos como apóstolos de uma nova religião, mesmo que essa religião seja da lógica e da razão.
Acolhamos, encoragemos todos os protestos, desonremos as exclusões, todos os misticismos, não olhemos jamais uma questão como esgotada e quando tivermos usado até nosso último argumento, recomecemos, se for preciso com eloqüência e com ironia. Com essa condição eu entrarei com prazer em vossa associação, senão não!"
fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
sua opinião é sempre bem vinda...