Pierre-Joseph Proudhon (1809 ~ 1865):

" Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos."

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quinta-feira, 20 de maio de 2010

Começaremos por Proudhon, o “pai da anarquia”, como dizia Kropotkin num célebre processo. Aqueles que o leram, realmente leram, sabem que a “solução do problema social” foi uma de suas maiores preocupações.

Isso provocou nele dois tipos de escritos, fragmentários ou não. Nos primeiros, Proudhon exortava os trabalhadores e os outros socialistas a se preocupar seriamente com o como da revolução. Nos segundos, esforçava-se para deitar as bases da reconstrução, e preconizava as medidas práticas a tomar em pleno período revolucionário, se a revolução acontecesse.(1)

Antes de tudo, Proudhon afirma várias vezes que seu socialismo é construtivo. Seu lema freqüentemente repetido é: Destruam et aedificabo! Ele proclama:

“Sim, sou socialista, mas socialista com premeditação e consciência, socialista não apenas porque protesto contra o regime atual da sociedade, mas porque afirmo um novo regime, que deve resultar, como tudo o que se produz na sociedade, da negação de uma realidade passada ao estado de utopia. Sou socialista, isto é, simultaneamente reformador e inovador, demolidor e arquiteto; pois, na sociedade, esses termos, conquanto opostos, são sinônimos.” (Artigo “Lê socialisme jugé par M. Proudhon”, em La Voix du Peuple, 14 de maio de 1849).

Em 7 de dezembro do mesmo ano, no mesmo jornal, escrevia num artigo intitulado “A Pierre Leroux”:

“Sou socialista, enfim. Disse cem vezes que o socialismo, enquanto ele se limita à crítica da economia atual, e que propõem à crítica suas hipóteses, é uma protestação; mas quando formula idéias práticas e positivas, é a mesma coisa que a ciência social. Protesto contra a sociedade atual, e procuro a ciência; por essa dupla razão, sou socialista”.

Mas ele não se contenta em procurar. Traz orientações preciosas, diretrizes nas quais as massas podem inspirar-se, pedindo ao mesmo tempo a estas últimas para procurar, elas também, e encontrar.

No quarto artigo da série intitulada “A propôs de Louis Blanc”, e publicado em 8 de janeiro de 1950, em La Voix du Peuple, ia ainda mais longe:

"Desde que eu me interesso pela coisa pública, muitas vezes ouvi os patriotas fazerem-se essa pergunta escabrosa: ‘O que faremos no dia seguinte à Revolução?’

Mas devo dizer igualmente que nunca ouvi sequer um deles responder essa pergunta. Aconselhar-se-ia, dizia-se, com as circunstâncias; e a pergunta era lançada ao ar sem que se pensasse mais nela. Foi assim que o fruto de todas as nossas revoluções foi constantemente perdido pelo povo.

[...] Em revolução, aquele que sabe o que quer e o que faz, está seguro de comandar os outros: tal é a lógica dos fatos, e a política das massas.

[...] O escrutínio de 1852, suponho que o povo aguarde até 1852, será, não duvidem disso, o sinal de uma nova revolução.

O que faremos no dia seguinte a essa revolução?

Tal é a pergunta que o povo deve fazer a si mesmo, deve estudar sem descanso, e resolver num breve prazo.

Votar não é tudo, manifestar-se não é nada, é pouco tomar à baioneta o Hotel de Ville (Sede da Prefeitura) e as Tulherias: é preciso saber utilizar a vitória.

Que o povo, portanto, interrogue-se e responda. Pois se, no dia da Revolução, ele não tiver a solução pronta, após um tempo de interrupção na orgia demagógica, ele retornará por séculos à monarquia e ao capitalismo, ao governo do homem pelo homem, à exploração do homem pelo homem."

Tais eram os conselhos de orientação geral. Mas, sendo incitado a isso pelas circunstâncias, Proudhon também sabia preconizar normas precisas respondendo a uma dada situação. Eis o que ele escrevia em 4 de maio de 1848, diante da incapacidade de república burguesa que acabava de ser proclamada, e antes que eclodisse a insurreição de junho:

“Que um comitê provisório seja instituído em Paris, para a organização da troca, do crédito e da circulação entre os trabalhadores;

Que esse comitê se ponha em relação com comitês semelhantes estabelecidos nas principais cidades;

Que pelos cuidados desses comitês, seja formada uma representação, imperium in império, diante da representação burguesa (2);

Que o germe da nova sociedade seja lançado no meio da sociedade antiga;

Que a carta do trabalho seja imediatamente posta na ordem do dia, e os principais artigos definidos no mais breve prazo;

Que as bases do governo republicano sejam definidas, e poderes especiais concedidos para esse fim aos mandatários dos trabalhadores”.

Como vemos, a aplicação dessas concepções teria representado uma verdadeira revolução social; e isso ultrapassava o âmbito da posse individual dos meios de produção e de troca, na qual se aprouve e se comprouve a encerrar o pensamento proudhoniano.

E dez anos mais tarde, em seu livro Idée générale de la Révolution au XIX siècle, Proudhon reafirmava que o papel dos trabalhadores era fundar o socialismo; ele descrevia o processo dessa empreitada da qual conhecia a complexidade, e esforçava-se para dar aos trabalhadores o indispensável sentido das responsabilidades:

“Enfim aparecem as companhias operárias, autênticos exércitos da revolução, onde o trabalhador, assim como o soldado no batalhão, manobra com a precisão de suas máquinas: onde milhares de vontades, inteligentes e orgulhosas, fundem-se numa vontade superior como os braços que elas animam engendram por seu concerto numa força coletiva maior que sua própria multitude”.(3)

As tentativas práticas. Proudhon não se contentou em afirmar princípios e objetivos, nem em preconizar meios. Ele também fez tentativas construtivas. Podemos discutir o valor delas (sob a condição de situar-se no tempo em que elas foram lançadas), ou as modalidades. O importante, para o objetivo que buscamos ao escrever este curto ensaio, é mostrar a perseverança de seu esforço na busca das realizações práticas.

A tentativa mais conhecida foi a criação do Banco de Trocas, e sobretudo o Banco do Povo.Esse banco devia assegurar gratuitamente o crédito (idéia cara a Proudhon, e que ele exigiu até mesmo pela via legislativa). Crédito que devia favorecer as trocas entre produtores, “a prestação de capitais e o desconto dos valores não podendo gerar nenhum juro”.

Tratava-se, em suma, de tornar os produtores senhores das atividades econômicas que, após a produção, constituíam, na ordem capitalista, fontes de enriquecimento individual obtido pela exploração organizada da massa dos trabalhadores. A possibilidade de obter o crédito gratuito permitiria aos aderentes liberar-se do julgo do patronato e do capitalismo. A morda tradicional transformava-se em bônus de circulação.

Proudhon fracassou em sua tentativa. Eis por que se ignora em demasia o projeto de duas instituições que são seu desenvolvimento. Trata-se do Sindicato Geral da Produção, e do Sindicato Geral do Consumo.

Em verdade, esses dois pontos, que ampliavam e completavam os objetivos do Banco do Povo, foram a obra de Jules Lechevalier, “nosso amigo comum”, escreve Proudhon, que tinha sido secretário da Companhia das Índias: “É a ele que devemos pela idéia do estabelecimento dos dois sindicatos dos quais iremos falar a vocês; foi sob sua direção especial que se fez a elaboração de sua organização, tal como ela vos será apresentada”. A inserção desse duplo projeto no livro, Solution du problème social prova que ele fazia seu o conteúdo do qual eis aqui o texto essencial:

“Esse sindicato será composto, como membros ativos, de delegados naturais dos diversos ramos de produção.

Seus atributos consistem:

1- Em reconstituir a corporação livre e democrática como regime absoluto e definitivo de todos os trabalhadores, qualquer que seja sua condição presente na sociedade; que eles já estejam organizados em associação, que eles ainda pertençam ao patronato, ou que trabalhem isoladamente.

Ele deverá também provocar a organização das associações.

2- Em liquidar a posição dos trabalhadores, isto é, tornar suas pessoas e seus instrumentos de trabalho disponíveis.

As atitudes a serem tomadas em relação aos trabalhadores repousam sobre três bases:

_Liquidação prévia de cada produtor;

_Comandita recíproca dos trabalhadores para os instrumentos de trabalho

_Encomendas recíprocas para a alimentação da oficina e do trabalho;

3- Em centralizar as relações dos fabricantes em todos os produtos;

4- Em controlar os produtos;

5- Em concorrer à repartição do trabalho, e, por conseqüência, do desemprego entre as diferentes oficinas, com o objetivo de gerar o equilíbrio entre a produção e o consumo;

6- Em concorrer para a liquidação da velha indústria em relação à nova;

7- Em prover os custos gerais do movimento industrial e a compensação dos deslocamentos operados na indústria por causa do emprego dos novos procedimentos;

8- Em desinteressar os inventores;

9- Em solicitar as invenções e as melhorias;

10- Em constituir o fundo comum para as indenizações a conceder às diversas indústrias por um modo de compensação recíproca;

11- Em constituir o seguro mútuo de todas as corporações contra todos os sinistros suscetíveis de avaliação.

12- Em negociar e garantir os empréstimos de cada corporação especial em relação ao Banco do Povo, sendo que, evidentemente, as únicas coberturas serão em capital, a vida do trabalhador avaliada eqüitativamente, e em circulação corrente, as obrigações de mão-de-obra.

13- Em organizar o aprendizado de tal sorte:

A) que criança possa sempre se situar segundo sua vocação;

B) que o excesso de trabalhadores não possa produzir-se numa corporação;

C) que o aprendiz, graças ao engajamento de reembolso contratado por ele para seus pais, possa receber o crédito de alimentação necessário durante o tempo em que seu trabalho não cobrirá seu gasto;

D) que todas as corporações que necessitam de aprendizes possam ter à vontade;

14- Em regular as relações de cada corporação com o sindicato geral quanto a sua participação aos gastos feitos pelos aprendizes e concernentes à corporação, bem como os meios para reembolsar seus gastos;

15- Em regular as condições de indenização e de serviços mútuos em caso de doença, acidente ou invalidez. Ele proverá isso por meio de seu fundo de reserva e por uma contribuição do conjunto dos trabalhadores ao caixa geral.

Tratará com cada corporação das condições nas quais ela deverá intervir no que concerne a seus membros.

16- Em organizar um caixa central para as pensões de aposentadoria. Os fundos desse caixa serão constituídos pela cotização das corporações.

O caixa central, de concerto ou em participação com as corporações, contribuirá com as pensões de aposentadoria para uso dos trabalhadores;

17- Em buscar o modo de engrenagem dos trabalhos, a fim de evitar os desempregos inerentes a certas indústrias, e contrabalançar a funesta influência exercida sobre o homem pela divisão parcelar nos trabalhos”.

Dissemos que Proudhon não foi o autor do projeto que acabamos de reproduzir, assim como também não foi o autor daquele concernindo o Sindicato Geral do Consumo. Mas esses projetos devem ser considerados como fazendo parte do proudhonismo que eles dão continuidade, no estudo intitulado Banco do Povo, na exposição geral que o precede, e do qual Proudhon é o autor.

As estreitas relações entre Jules Lechevalier e Proudhon, e os trabalhos do grupo de estudos proudhoniano, onde esses projetos foram elaborados, confirmam essa opinião.

O pensamento de Proudhon era bem mais plástico e rico, não apenas de conteúdo concreto, como também de possibilidades, que podem supor tais ou quais intérpretes, e somos obrigados a repetir que aqueles que não vêem nesse pensamento senão uma defesa do artesanato generalizado estão nos antípodas da verdade.

As citações que lemos há pouco provam. Poderíamos escolher muitas outras, igualmente probatórias. Assim, esta, tomada de Idée générale de la Révolution ao XIX siècle, Proudhon responde àqueles de seus adversários que criticam suas concepções anarquistas, e dá da anarquia definições que a imensa maioria daqueles que reivindicam seu pensamento deveria conservar:

“Fazer anarquia pura:

isso lhes parece inconcebível, ridículo, é um complô contra a república e a nacionalidade. ‘Eh! O que põem no lugar do governo’, exclamam, ‘esses que falam de suprimi-lo?’

Não encontramos nenhuma dificuldade para responder, O que colocamos no lugar do governo já o dissemos: é a organização industrial.

O que colocamos no lugar das leis, são os contratos. Nenhuma lei votada, nem pela maioria, nem por unanimidade; cada cidadão, cada comuna ou corporação faz a sua. (4)

O que colocamos no lugar dos poderes políticos, são as organizações econômicas. O que colocamos no lugar das antigas classes de cidadãos, nobreza e plebeidade, burguesia e proletariado são as categorias e especialidades de função, Agricultura, Indústria, Comércio, etc.

O que colocamos no lugar dos exércitos permanentes, são as companhias industriais.

O que colocamos no lugar da polícia, é a identidade dos interesses.

O que colocamos no lugar da centralização política, é a centralização econômica”.

Poderíamos reproduzir muitos outros textos desse gênero, que são definições de princípio, assaz precisas para que se acuse o socialista e an-arquista Proudhon de falta de espírito construtivo de caráter igualmente socialista e na-arquista. Se ele ficou nas linhas gerais, estas eram bastante claras para prolongar. Desenvolvendo os caminhos rumo aos quais se buscava o engajamento.

E o que ele não fazia, pedia a outros para fazê-lo. Neste sentido, os dois projetos de Sindicatos, que se põem de acordo também com a posição claramente inimiga da violência revolucionária que sempre foi a sua, são, teoricamente, exemplos de aplicação de idéias proudhonianas.

notas:

(1) – O que prova o quanto é falso apresentar Proudhon como o defensor do artesanato, pequeno-burgês limitado a essa única questão ou a esse único aspecto dos problemas que compunha o que chamamos de problema social.

(2) - Não esqueçamos que no Palais du Luxembourg tinham então assento as grandes personalidades do socialismo autoritário, que queriam instaurar suas reformas por meio de legislação. Sabemos como ele fracassou. A concepção proudhoniana ia muito mais longe. Mas os operários não estavam em condições de compreende-la.

(3) – Vemos aqui , de passagem, reafirmada a superioridade do trabalho coletivo, que Proudhon, por primeiro, havia exposto, desde 1840, em O que é a propriedade?, e do qual Marx falará, por sua vez, em O Capital, publicado em 1868.

(4) – A revolução espanhola mostrou-nos o caminho com relação a esse assunto. No lugar de leis e dos contratos, coloquem as resoluções industriais e interindustriais, os acordos dos organismos econômicos industriais e agrícolas, resoluções e acordos modificando-se seguindo as necessidades dinâmicas da vida social – e o aparelho legislativo, criação do Estado, torna-se inútil e ultrapassado, como o próprio Estado.

fonte:

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/05/279928.shtml

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Minha avaliação sobre as teses proudhonianas é que, tratando- se por ser um ponta pé inicial para uma nova teoria e concepção do capitalismo e formas de barra-lo, barrando também o Estado, foi fundamental. Enquanto todos os socialistas do seu século pensavam sobre o que era a propriedade, ele era secante: Um roubo! Foi um dos primeiros a fazer uma análise econômica, mesmo que primária, sobre o capitalismo.

Foi o criador da concepção sobre o mais-valia, futuramente sintetizado por Marx. Foi realmente o pai da anarquia, o primeiro a usar o termo “Anarquia” e reivindicar por ela. Proudhon foi a chave base para todo o desenvolvimento teórico do anarquismo que temos hoje, porém, como foi uma primeira concepção sobre formas de uma nova sociedade, existem várias falhas.

A que mais me chama atenção é a idéia do Banco do Povo e o Banco de Trocas, uma tentativa frustrada de “humanizar o capitalismo”, onde pode ser visto em vários pontos de seus escritos, não com uma perspectiva de extingui-lo, mas sim de reforma-lo, humanizá-lo.

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