
Em 1840, Pierre-Joseph Proudhon, aquele individualista violento, sempre tão cheio de razões, que se vangloriava de ser um homem de paradoxos, um provocador de contradições, publicou um livro que o tornaria o pioneiro dos filósofos libertários.
Esse livro foi O que é propriedade?, no qual dá à sua própria pergunta a célebre resposta: "Propriedade é roubo". Nesse mesmo livro ele se tornaria o primeiro homem a reclamar para si, voluntariamente, o título de anarquista.
Proudhon o fez, sem dúvida, não apenas como desafio, mas para explorar as características paradoxais da palavra. Ele percebera a ambigüidade do grego Anarchos e voltara a usá-la exatamente por isso – para ressaltar que a crítica que se propunha fazer à autoridade não implicava, necessariamente, uma defesa da desordem.
As passagens em que ele utiliza pela primeira vez "anarquista" e "anarquia" são tão importantes, do ponto de vista histórico, que merecem uma citação; já que não apenas mostram as duas palavras sendo usadas pela primeira vez com um sentido socialmente positivo, mas contêm, em embrião, a justificativa pelo direito natural, que os anarquistas têm em geral aplicado em suas discussões em defesa de uma sociedade não-autoritária.
"Qual será a forma de governo no futuro?, pergunta ele.
Ouço alguns de meus leitores responderem:
- Ora, como podes fazer tal pergunta? Sois republicano!
- Sim, mas essa palavra não diz nada. Res publica, isto é, coisa pública. Pois bem, então quem quer que se interesse por assuntos públicos – não importa sob qual forma de governo –, pode intitular-se republicano. Até os reis são republicanos.
- Bem, então sois democrata
- Não...
- Então o quê?
- Um anarquista!"
Proudhon vai mais longe, sugerindo que as verdadeiras leis que regem a sociedade não têm nada a ver com autoridade; elas não são impostas de cima, mas têm origem na própria natureza da sociedade. E considera que a livre emergência de tais leis deve ser o objetivo do esforço social.
"Assim como o privilégio da força e da astúcia bate em retirada ante o firme avanço da justiça, sendo finalmente aniquilado para dar lugar à igualdade, assim também a soberania da vontade cede lugar à soberania da razão e deve, finalmente, perder-se no socialismo científico...
Assim como o homem busca a justiça na igualdade, a sociedade procura a ordem na anarquia. Anarquia – a ausência de um senhor, de um soberano – , tal é a forma de governo da qual nos aproximamos a cada dia que passa."
O aparente paradoxo de ordem na anarquia – eis aqui a chave para a mudança de conotação por que passou todo esse grupo de palavras.
Proudhon, ao conceber uma lei de equilíbrio atuando no interior da sociedade, repudia a autoridade por considerá-la não como uma amiga da ordem, mas sua inimiga, e, ao fazê-lo, devolve aos partidários do autoritarismo as acusações lançadas contra os anarquistas, ao mesmo tempo que adota o título que espera tê-lo livrado do descrédito.
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